
Persiste entre os portugueses uma atitude de recusa de viver e de distância ao poder […] ou mesmo, segundo o conhecido diagnóstico de José Gil, uma espécie de medo de existir, traços estes que, a meu ver, se justificam não só pelas raízes rurais, mas ainda devido à influência de um catolicismo conservador que fomentou a resignação dos fracos ante os poderosos e o espírito de sacrifício dos pobres ante as dificuldades. É claro que também o autoritarismo tutelar do Estado salazarista contribuiu decididamente para acentuar esta mentalidade. Ela exprime-se em atitudes ambivalentes: há uma nítida consciência dos antagonismos que atravessam a sociedade e de que existem oportunidades e privilégios para uns e dificuldades e sacrifícios para outros, mas aparentemente aceita-se isso como uma fatalidade inelutável.1
Estanque, E. (2003) A Classe Média: Ascensão e Declínio, pp. 83-84↩
Sabe-se que Portugal é um país caracterizado por baixos índices de individualismo e fortes vínculos colectivos. Note-se, porém, que essa inclinação não é sinónimo de maior sentido de participação no grupo ou propensão ao associativismo e aos movimentos sociais. Trata-se sim de uma espécie de individualismo negativo, relacionado com os traços de ruralidade e formas paternalistas de uma certa dependência que travam a iniciativa e o sentido de autonomia do sujeito. Reflecte uma necessidade de protecção por parte dos indivíduos, que a buscam entre as redes de socialização primárias e na comunidade local ou na esfera laboral, por exemplo. Por um lado, quem ocupa posições de destaque e lugares de chefia exige uma dedicação sem limites por parte dos subordinados. Por outro lado, os próprios subordinados, ou por falta de alternativas ou porque esperam daí retirar algum retorno, não raro deixam-se enredar numa lógica de resignação, alimentada por sentimentos de lealdade incondicionais, desse modo amplificando os recursos de autoridade dos seus superiores.1
Estanque, E. (2003) A Classe Média: Ascensão e Declínio, p. 83↩
Em estudos realizados anteriormente, quer no centro de Estudos Sociais quer no Instituto de Ciências Sociais, sobre as atitudes dos portugueses verificou-se que em Portugal há uma notória discrepância entre a classe objectiva e a classe subjectiva: cerca de 37% dos “proletários” consideravam-se membros da classe média, e o mesmo acontecia com 52% dos empregadores.1
Estanque, E. (2003) A Classe Média: Ascensão e Declínio, p. 82↩